Todas as pessoas gostam de ser ouvidas, mesmo que as opiniões não sejam unânimes. Mas nem todas conseguem ouvir com calma, presença e atenção. O respeito e o espaço precisam ser praticados de ambos os lados: por quem fala e por quem escuta.
Respeito, alias, é a base da comunicação não-violenta. Bom senso e consciência também. Assumir a responsabilidade sobre os próprios sentimentos e parar de culpar terceiros, quartos e quintos em relação ao que acontece em nossas vidas. Eu falo sobre o que sinto, não sobre “o que acho que a outra pessoa fez para eu me sentir assim”. É refletir sobre como as palavras e atitudes alheias reverberam dentro de mim, sobre o que me incomoda (e porque), se é o caso de comunicar esse incômodo, pra quem e qual a melhor maneira e momento pra que isso aconteça.
Identificar as próprias necessidades físicas e emocionais é um bom exercício não só para se trabalhar o autoconhecimento, reconhecer os gatilhos e saber como lidar com eles, mas também para observarmos as possíveis necessidades das pessoas ao nosso redor, se elas estão sendo atendidas ou não – e que desconfortos podem surgir a partir daí. Se alguém não tem consciência de uma necessidade não-revelada (porque não-identificada, daí a importância de se investir em autoconhecimento), essa desconexão pode causar alguns conflitos nas relações. Um exemplo bem simples e que independe de faixa etária, aliás independe de qualquer fator externo porque é algo orgânico, é a mudança de humor, disposição e tolerância que acontece quando estamos com muita fome (e sem acesso à comida). Se, além da fome, estivermos muito cansado(a)s e sem dormir, pior ainda. Quem se conhece bem, já se previne mantendo um lanchinho sempre por perto e sabe quando chegou o limite para descansar o corpo e a mente. Caso seja possível, comunicar esse gatilho é algo bem-vindo e estimula as outras pessoas a se observarem também. “Quem avisa, amigo é”. Já quem não presta atenção a esses sinais internos pode ser pego(a) desprevenido(a) no meio de uma reunião, palestra ou qualquer outro evento que demande interação com outros seres humanos. E, como dizem, ‘prevenir é sempre melhor que remediar’.
Se percebo que você fica mais impaciente quando está com fome (e você ainda não se deu conta), o que posso fazer? Posso lhe oferecer algum alimento (ou bebida equivalente) e, depois de saciada a necessidade primária, comentar sobre isso. “Percebo que meu humor muda quando estou muito faminta(o), acontece com você também?”
O passo seguinte é expandir esse olhar para sua equipe e para outras necessidades a serem identificadas e atendidas – pelas próprias pessoas ou em um combinado com o grupo. Troque a palavra ‘fome’ por escuta, atenção, expressão, reconhecimento, validação, conforto, saúde, segurança, afeto, companhia, entre tantas outras, e verá que a lista é tão grande que parece infinita – e que algumas pessoas compartilham das mesmas necessidades.
Praticar a auto-observação é um exercício diário. Da mesma forma que é importante cuidar da saúde física e mental, o equilíbrio emocional interfere (e muito!) em tudo que fazemos. Praticar a expressão de alguma(s) das necessidades observadas também pode ser um exercício diário e saudável – mesmo que, em um primeiro momento, essa ‘expressão’ seja para nós mesmo(a)s, já é um grande passo. “Eu sinto que não estou sendo ouvida (e considerada) e isso é importante pra mim”. Da mesma maneira, precisamos praticar a escuta ativa em relação às necessidades das outras pessoas – sem julgá-las antes mesmo de abrirem a boca (e depois também). Pode acontecer uma roda de feedbacks, em que cada uma diz como se sente (enquanto as outras ouvem em silêncio e respeito) e, depois, as demais contribuem com suas impressões – percebam que usamos o verbo ‘contribuir’ (não julgar, analisar, condenar), porque esse é o mote de uma troca saudável sob a ótica da comunicação não-violenta. “Eu percebo que você tem necessidade de ser ouvida (e considerada) e vou prestar mais atenção nisso” pode ser uma fala neutra, não é preciso responder ou confirmar, é um olhar de dentro pra fora com o propósito de trazer a consciência para a comunicação – e, assim, desfazer os nós e ruídos que vão ficando pelo caminho. Comunicar-se de forma não-violenta não significa não poder se irritar, sentir raiva – mas, sim, aceitar o que sente (sem julgar a si mesmo/a), identificar de onde vem esse fervilhar e, consciente de quem é, sentir-se à vontade para discordar sem ‘perder a razão’. Poder conversar com uma pessoa que pensa de forma diferente, ouvindo-a com atenção e sem querer, a todo custo, provar que ela está errada, é um tanto valioso em qualquer contexto ou cenário. Sempre podemos aprender algo, mesmo que não concordemos com a pessoa ou a teoria. E podemos expressar nossa discordância com cordialidade e sabedoria – se considerarmos que, naquele precioso momento chamado tempo, ‘gastar nosso verbo’ realmente era mais importante que silenciar.
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