Alguns temas são, não por acaso, recorrentes – de tão importantes e necessários para melhores relações dentro e fora dos territórios corporativos. O modelo de liderança pelo exemplo é um deles. Já falamos aqui sobre a diferença entre ‘chefia’ à moda antiga e autoritária e liderança inspiracional, motivadora, que abre mentes e caminhos.
Sair do lugar de rigidez “pode ser de qualquer cor, desde que seja preto” (frase atribuída a Henry Ford, que abordamos no texto sobre Liderança Motivacional) ou da ironia do “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” não é exatamente uma tarefa fácil e leva tempo (e dedicação) para acontecer para além do discurso. Porque envolve a quebra de paradigmas seculares e de crenças muitas vezes tão arraigadas que torna desafiador o reconhecimento de si mesmo(a) sem essas práticas obsoletas e cada vez menos aceitáveis.
No entanto, a única certeza que temos é que o tempo passa e não podemos controlá-lo – e, se realmente queremos ser melhores, potencializar nossos negócios e curar nossas relações, precisamos abrir nossas mentes, enxergar quem somos de verdade e transformar nossos discursos em ações reais no dia-a-dia.
De nada adianta pregarmos a boa educação, dizermos que somos pessoas incríveis e até sermos reconhecidamente talentoso(a)s líderes, se não cumprimentamos com verdade e gentileza quem nos abre a porta ou nos serve um café.
Liderar pelo exemplo começa nos pequenos gestos, na transparência do ser integral – não apenas no ‘ser corporativo e institucional’. Ser o/a campeã(o) de vendas e uma pessoa grosseira com quem ‘vende menos’ mostra apenas um traquejo comercial, não um modelo aspiracional. Ser o/a porta-voz da empresa/empreendimento, mas não ser capaz de dialogar aberta e pacificamente com alguém que pensa diferente mostra apenas uma habilidade de falar em público com discurso pronto (ou até improvisado), mas não significa que seja uma pessoa com boa comunicação na ’vida real’ (fora das mídias) – e a liderança pelo exemplo passa por aí.
Eu falo, eu mostro, eu faço, eu sou. Eu ouço, eu vejo, eu aprecio, eu vou – em frente, lado a lado, dando a mão ou um ‘empurrão’. Só pra clarear, ‘dar um empurrão’, aqui, está no contexto de incentivar, apoiar, abrir uma porta – não no de carregar a mochila do(a) outro(a). Esses verbos compõem a prática de uma liderança pelo exemplo, em que a palavra está diretamente conectada à ação, que por sua vez está ligada à integridade do ser.
Como posso orientar uma criança a falar sempre a verdade, se ela me vê dizendo ‘pequenas mentiras’ (e às vezes até piscando o olho e dizendo ‘esse é nosso segredinho’) a outras pessoas? Como discursar sobre “um mundo mais sustentável” enquanto minha empresa/empreendimento/casa contribui para a poluição do ar e das águas da cidade (e do planeta), não reaproveita ou destina corretamente resíduos sólidos e direta ou indiretamente causa ou contribui para a violência contra animais e até pessoas?
Sim, a liderança pelo exemplo passa pelo filtro dos valores, referências e realidades de cada um(a). Se eu escolhi ser vegana(o), certamente não seguirei o caminho proposto por alguém que não se importa com a violência contra animais (ou pessoas, se falarmos da agropecuária e a questão das terras na Amazônia). Por outro lado, se minha família tem a tradição da prática de caça esportiva (e compactuo com isso), provavelmente alguém que defenda e pratique o veganismo não vai me representar.
Nossa pauta poderia ser menos polêmica se mantivéssemos apenas o foco nas relações (intra)corporativas, sob a ótica da gestão interna de recursos humanos. Mas como falar em liderança pelo exemplo sem abordar a verdade, a essência, os valores de cada um(a)? Como separar a persona dentro e fora do território institucional, sem resvalar na hipocrisia?
Como ser salva-vidas sem saber nadar? Como guiar um grupo numa expedição de sobrevivência na selva, se não sei como encontrar água, construir um abrigo nem fazer uma fogueira?
Claro que sempre há coisas que aprendemos junto(a)s. Mas para liderar é preciso saber por onde começar, manter o grupo unido, agregar o melhor de cada um(a) e escolher por onde ir. Estar disposto(a) a caminhar na verdade já é um bom exemplo e ponto de partida.
Como disse um certo general norte-americano (Schwarzkopf, 1934), “a liderança é uma poderosa combinação de estratégia e caráter, mas se tiver de passar sem um, que seja a estratégia”.
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