É um hábito de brasileiros? Latinos? Ocidentais? De onde vem essa necessidade de se fazer um balanço do ano que termina e planejar o ano seguinte?
E de onde vem esse conceito de ano que começa e termina em algum lugar – como se riscássemos do mapa o tempo que já se foi, como algo vencido, ultrapassado, sem (mais) validade. Como se só o novo importasse a partir de um certo momento.
Crescemos acostumado(a)s com o calendário gregoriano, promulgado no séc. XVI pelo Papa Gregório (daí o nome) e adotado mais rapidamente pelos países ocidentais cristãos-católicos – outros demoraram mais, mas acabaram seguindo essa contagem do tempo também. Talvez isso explique a expectativa de mudança – de algo – ao final de 365 dias.
Uma dinâmica diferente de quando se segue os ciclos lunares, como (ainda) fazem alguns povos (por exemplo, os indígenas), grupos sociais (mulheres gestantes e doulas, antroposofistas) e atividades como a agricultura orgânica.
Há quem diga que se trata de uma das maiores ambições humanas essa história de definir e categorizar o tempo – que é algo que acontece independentemente da existência ou intervenção humana. Nós é que não podemos nos imaginar sem ele – já que o Tempo está intrinsecamente associado à Vida. As horas, minutos, segundos que levamos para realizar (ou não) qualquer ação é nosso tempo de vida ‘investido’ ou ‘desperdiçado’.
Talvez por isso a ideia de renovar a esperança – e os hábitos, as promessas, os planos – seja tão contagiante ao virar a página do calendário, do planner, da agenda nova com tantas folhas em branco.
É como se cada um(a) zerasse o cronômetro e iniciasse a contagem regressiva com tudo a postos – ainda que o ano anterior tenha sido um tanto caótico.
Talvez por isso tanta coisa fique adormecida, esquecida, protelada até chegar a ‘reta final’ do ano corrente – como se não fosse possível fazer planos, realizá-los e/ou mudá-los a qualquer momento.
Ou, talvez, seja só uma questão de hábito mesmo, de deixar pra última hora, porque uma coisa vai se sobrepondo à outra, vamos apagando incêndios e atendendo demandas extras e, quando percebemos, já é dezembro outra vez. E mais um ano se passou.
No âmbito de empresas bem estruturadas, setembro pode significar a chegada da primavera e o início do planejamento do budget do ano seguinte. É um pouco depois do ‘meio do ano’ e antes do frisson do encerramento do calendário.
No âmbito pessoal, seguimos essa organização? Ou consideramos que planejamento e budget são corporativos demais pra invadirem nossas privacidades? Mas...e se essa prática nos ajudar a realizar sonhos e concretizar planos? É mais uma mudança de ponto de vista e um balanço custo x benefício do que propriamente pensar que expertises profissionais e pessoais não se misturam. O contrário, nesse caso é tudo soma e multiplicação. A educação financeira também passa por aí.
Uma lista com menos itens e um compromisso consigo mesmo(a) de realizar o que se propuser no novo ano – e de também poder alterar a rota no meio do percurso, se assim sentir (e está tudo bem, ninguém é uma montanha que não possa mudar de lugar) – talvez seja um bom começo de uma nova era pessoal. Ter tempo pra si, pra ‘fazer nada’, é outro desafio – ainda um certo tabu pra muita gente, mas importante para a saúde mental, física e emocional. Encontrar esse tempo, ainda que sejam só cinco minutos por dia pra caminhar ao ar livre, pode fazer uma boa diferença no balanço geral.
Há que se considerar, também, o aspecto cultural: há lugares e sociedades em que tudo é muito organizado, planejado, quase cronometrado – e as pessoas acabam se comportando dessa maneira também, mesmo que seja só pra tomar um sorvete ou dar uma volta de bicicleta. A palavra de ordem é ‘eficácia’, no sentido de ‘não perder tempo’. E há outros locais e comunidades em que se observa o ‘tempo da natureza’ e de cada um(a), os combinados têm maior flexibilidade. A palavra da vez é ‘fluidez’, no sentido de ‘ir junto com o tempo’, sem tentar controlá-lo ou retê-lo.
Seja qual for o lugar em que você se encontra e/ou onde quer estar no próximo ano, o fundamental é que as coordenadas no mapa o(a) levem ao encontro à plenitude e felicidade genuína. Aí, sim, qualquer planejamento (ou a ausência dele) terá valido o investimento de tempo, respirações e neurônios tão caros e insubstituíveis.
Afinal de contas, vale lembrar, qualquer milésimo de segundo no calendário ou cronograma é o tempo de nossas vidas.
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