Sem pessoas, não há empresas, produtos, mercados. Ainda que inteligência artificial e machine learning sejam tecnologias cada vez mais presentes em nossas vidas, sem pessoas de carne e osso (mente e coração) para desenvolvê-las e utilizá-las, nada funcionaria.
Em algum momento da sociedade capitalista, passamos do ponto do bom senso e do equilíbrio entre vida pessoal e profissional – quase nos esquecendo de nossa humanidade, no sentido mais literário da palavra. Follow the money (siga o dinheiro) substituiu o follow the heart (siga o coração) por muito tempo. ‘Cuidar de si’ parecia algo ilegítimo, coisa de gente fraca – ‘ser workaholic’ (‘viciado/a’ em trabalho), por um tempo, foi sinônimo de profissionalismo. “Ele(a) é uma máquina” (de produzir, de fazer dinheiro) virou um grande elogio.
Que bom que os tempos mudaram e hoje muitas empresas atentam para a saúde e bem-estar de seus/suas colaboradore(a)s. Foi preciso muito chão pra chegar aqui. Muitas crises de burnout –distúrbio psíquico causado pela exaustão extrema, sempre relacionada ao trabalho – também conhecido como ‘esgotamento profissional’. Pessoas adoecendo, física e mentalmente, estressadas diariamente com metas e prazos, em vorazes ambientes competitivos que as desconectavam cada vez mais de suas famílias, afetos, prazeres, sonhos – e de si mesmas.
Isso sem falar em assédio moral – muitas vezes praticado por arrogância, preconceito, sensação de impunidade, falta do filtro do bom senso ou de educação mesmo. Tal prática precisa ser combatida incessantemente, não só porque é indecente, mas também porque é o gatilho de mal-estar, síndromes e estados de doença de muita gente. Não há saúde mental-emocional plena onde há assédio de qualquer espécie.
Ainda bem que, por outro lado, muito se tem olhado para a empatia, o respeito, trabalho com propósito, saúde integrativa e bem-estar individual e coletivo – estados de presença e relações mais humanizadas em territórios corporativos. Pode parecer estranho falar em ‘relações mais humanizadas’ – que outro tipo teríamos nós, seres humanos sociais? – mas, como já abordamos aqui, nem sempre foi assim.
Para além do que é ‘correto e bonito de se ver’ – pessoas cuidando de pessoas –, promover e manter a saúde e bem-estar de todo(a)s o(a)s colaboradore(a)s também é uma questão estratégica. A mais antiga mídia de todos os tempos – o ‘boca a boca’ – funciona dentro e fora da companhia, nas rodas de amigo(a)s e famílias, agora escancarada nos podcasts, blogs/vlogs e redes sociais. Uma empresa que investe de verdade na qualidade de vida de seu time passa a ser (bem) vista, admirada e almejada – especialmente pela maioria do público que não tem acesso aos relatórios financeiros.
Mais que isso, cuidar das pessoas, mesmo que implique em alguns investimentos, também significa reduzir gastos com convênios e seguros-saúde, além de diminuir ausências (por conta de consultas, exames, licenças médicas, tempo de recuperação) e rotatividade – o indesejado turnover.
Mesmo com mudanças nos formatos de trabalho pós-pandemia, com tanta gente atuando remotamente, à distância – e, em alguns casos, fazendo suas próprias escalas de horários –, é importante que as empresas mantenham o olhar de cuidado com a saúde e bem-estar do(a)s colaboradore(a)s. Ao contrário do que muitos pensavam antes da pandemia, de que “quem trabalha em casa fica mais preguiçoso(a)” porque não está sendo visto(a), pode acontecer de uma pessoa trabalhar de modo mais exaustivo e ininterrupto justamente porque não tem a dinâmica de um ambiente corporativo. Almoçar na frente do computador, sem fazer um intervalo de pelo menos 1h para descansar os olhos (da tela) e a mente (de tudo), é um hábito que, a longo prazo, torna-se prejudicial à saúde. Salvo quem já cultiva hábitos esportivos – ou outras atividades físicas, artísticas, relaxantes – quem trabalha em casa pode acabar potencializando o sedentarismo, permanecendo sentado(a) do momento em que acorda até a hora de dormir – levantando apenas para ir ao banheiro ou receber alguma entrega. E, muitas vezes, alimentando-se de fast-food ou produtos industrializados (“porque não dá tempo de cozinhar”) que podem saciar a fome do momento mas não são muito nutritivos.
Nutrição, aliás, é uma boa palavra aqui. Como uma virada de chave, em que ‘quem contrata’ (e paga a conta, o salário, a hora de trabalho) não pense só em ‘tirar, extrair, obter’ o que precisa da pessoa – mas, também, em nutri-la com conhecimentos, atividades enriquecedoras (no sentido da mente e do espírito) e, práticas de saúde integrativa e bem-estar – que, como o próprio nome diz, integram os cuidados com a saúde do corpo, da mente e do coração (no sentido do equilíbrio emocional). Como quem rega as plantas e nutre o solo, em vez de apenas colher os frutos que lhe interessam.
Por último, mas não menos importante, um bom jeito de se iniciar essa nova relação ganha-ganha é, mais do que apenas propor novidades, ouvir o que as pessoas ‘da casa’ têm a dizer. Afinal de contas, a escuta atenta (também chamada de ‘escuta ativa’) é um dos gestos de respeito e cuidado mais importantes em qualquer relação. Não custa um centavo e pode poupar a saúde de muita gente – inclusive a sua. O caminho para o legítimo bem-estar passa por aí.
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