“Tempo é dinheiro”. Revolução industrial. Capitalismo selvagem. Em diferentes cenários, por muitos anos, esse conceito foi (e ainda é) utilizado para acelerar máquinas, motivar pessoas e justificar situações estressantes e, por vezes, abusivas dentro das empresas e empreendimentos.
Hoje podemos dizer que a frase vem mudando, em diversos segmentos, para “tempo é vida”. Além de férias remuneradas (lembrando que em vários países esse conceito simplesmente não existe), 13° e até 14° salário, programas de saúde integrativa, espaço kids no local, flexibilização de horários e ambiente de trabalho (remoto/presencial), algumas empresas – no Brasil e no mundo – já experimentam o modelo da “semana de 4 dias”.
Há quem tenha adotado o final de semana de 3 dias, observando um aumento de produtividade nos 4 dias concentrados de trabalho - além de uma redução na rotatividade da(s) equipe(s). E há quem esteja no formato que propõe o intervalo na quarta-feira, um break no meio da semana. Há quem tenha pensado em manter as 40h semanais, impactando em uma jornada (discutível) de 10h/dia; e há quem tenha optado também pela diminuição da carga horária por dia, de 8h para 6h – totalizando 24h/semana.
O interessante nesses pilotos é observar que não há um só jeito de se repensar o atual modelo de tempo dedicado ‘oficialmente’ ao trabalho. ‘Oficialmente’ entre aspas porque sempre tem uma coisa ou outra que pensamos (e fazemos) fora do “horário comercial” – quem nunca passou por isso levanta a mão. Não há um jeito apenas, não há fórmula exata a ser copiada, assim como não há ‘certo e errado’ – cada lugar é diferente, assim como cada pessoa é única (e varia em suas fases de vida) – e a formação dos times a cada projeto também pode se alterar.
Outros números que envolvem essa mudança são financeiros: há quem defenda a manutenção da remuneração integral, mesmo com um dia a menos na ‘semana produtiva’; e há quem estude um valor diferente, proporcional às horas trabalhadas. De novo, não há ‘certo e errado’. E, claro, tudo influencia nos ânimos – lembrando que é um movimento recente e ainda não se sabe se os índices de aumento de produtividade (e satisfação) se manterão com o passar do tempo.
Tempo, o grande protagonista de nossa conversa aqui. Se pensarmos que no passado recente – meados do séc. XIX, ou seja, não muito distante na história da Humanidade – as pessoas (incluindo crianças!) trabalhavam 10, 12h, até 16h por dia, em alguns lugares 6x/semana…estarmos hoje discutindo e experimentando turnos de 6h/dia e semanas de 4 dias soa como uma espécie de revolução.
Seria a revolução da saúde mental, após tantos relatos de burnout, estresse, depressão, crises de ansiedade, de pânico, de propósito de vida?
Às vezes alguém fala em “humanização do trabalho” – o que parece óbvio mas soa estranho, pois em muitos lugares o clima ainda é de uma quase robotização das pessoas – não no sentido de não raciocinarem sozinhas, mas no sentido de não terem margem de manobra para fazerem algo fora do previamente estabelecido, de criar algo novo, de pensar ‘fora da caixa’. Isso, claro, fazendo um recorte em nossa sociedade, sem citar os indecentes casos recém-descobertos de condições de trabalho análogas à escravidão. Ou seja, tem outras mudanças fundamentais e urgentes a serem realizadas ainda neste século.
Já comentamos aqui que Henry Ford é o autor da famosa frase “pode ser de qualquer cor, desde que seja preto”. Mas a ele também é creditada uma das primeiras mudanças no sentido de melhorar as condições de trabalho do(a)s funcionário(a)s – não só na semana produtiva, de 6 para 5 dias, como também no turno de 8h/dia. E, uau, isso foi no início do século XX e hoje, na reta final de 2022, muitas empresas ainda funcionam nessas coordenadas.
Enquanto isso, outras companhias e grupos repensam o jeito como tudo vem sendo praticado, colocando na balança a saúde corporativa e a saúde física-mental das pessoas.
Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido são alguns dos cenários onde o programa piloto da 4 Day Week Global está rodando experimentos semestrais – em uma parceria entre as universidades de Cambridge, Oxford e Boston College e pesquisadore(a)s locais. No Brasil também há ‘laboratórios’ em andamento, em alguns segmentos mais flexíveis.
Como toda mudança importante e de relevância sem fronteiras, há os que a impulsionam, os que resistem e os que (ainda) fingem não ver. De novo, não há certo ou errado aqui – tudo é (e sempre foi) uma questão de tempo.
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