“Nosso maior medo não é o de sermos inadequados. Nosso maior medo é saber que somos poderosos além do que podemos imaginar. É a nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos assusta. Nós nos perguntamos: ‘quem sou eu para ser brilhante, lindo, talentoso, fabuloso?’ Na verdade, quem é você para não ser...?” (em tempo: leia-se esta citação na voz de todos os gêneros de pessoas)
Esse texto é atribuído a Nélson Mandela, também conhecido como Madiba, principal líder político da África do Sul – que lutou pelos direitos das pessoas negras e atuou bravamente contra o apartheid, regime racista e segregacionista que o manteve preso por 27 anos. Depois tornou-se referência mundial na busca por uma sociedade igualitária, recebeu o prêmio Nobel da Paz e foi eleito presidente do país com uma vitória expressiva nas urnas.
Mandela é um dos exemplos históricos de alguém que uniu seus dons e talentos às necessidades – inclusive de sobrevivência – suas, de seu povo, de grande parte da humanidade.
E o Ikigai traz justamente esse olhar para nossas existências – o ultrapassar das fronteiras, do alcance da vista, dos objetivos práticos e sonhos adequadamente possíveis.
“O que você (mais) ama fazer, o que você faz (muito) bem, pelo que as pessoas/organizações estão dispostas a lhe pagar (ou já lhe pagam) e do que o mundo precisa”. Essas são as premissas do Ikigai, um conceito japonês que trabalha a Integralidade do Ser para o bem-estar e o bem viver.
Ter essas questões em mente pode nos ajudar a ampliar o campo de visão – e atuação – para além de nossas rotinas diárias, agendas, escalas, metas, ganhos, despesas e lucros. Para além do que fomos ensinado(a)s desde muito cedo.
Sabe aquela frase “a vida é muito mais que pagar boletos”? – trata-se disso. Muito mais que isso. Eis uma pergunta que pode abrir uma importante reflexão: se você não precisasse de dinheiro para viver (ok, nesse mundo capitalista, se tivesse uma renda milionária vitalícia e irrevogável), o que faria em relação à sua vida, sua família, sua comunidade? E pelo mundo, pela humanidade?
Talvez Mandela tenha exercido plenamente seu Ikigai. Eloquente e carismático, mobilizou multidões para uma mudança real e estrutural em seu país, inspirando outras transformações para além de suas fronteiras – ainda que as questões raciais e desigualdades sociais continuem provocando abismos e violências no continente africano e ao redor do mundo.
E como essa história se aplica à narrativa corporativa – e à narrativa de nossas vidas? A primeira chave é lembrar que nossa existência não se resume ao trabalho; nossa persona profissional é apenas uma parte de nós – e, ainda assim, estamos atuando em nossa máxima potência?
Estamos exercendo nossos dons e talentos em tudo que fazemos, com gosto, prazer, sabedoria, prosperidade e propósito? Ao realizar as atividades do dia-a-dia, estamos expressando a melhor versão de nós mesmo(a)s? Se não, o que falta? Ou sobra?
Se não estamos onde queremos, não fazemos o que gostamos, não recebemos o que merecemos...quanto somos co-responsáveis por isso? Onde e quando podemos mudar, quanto depende de nós?
Nas mandalas do Ikigai, existem as intersecções entre o que é inspiracional, aspiracional e real, entre o que é material-financeiramente reconhecido e o que é mais associado ao bem da humanidade. Nada que não possa ser co-relacionado à boa parte dos segmentos de empresas – desde que haja alinhamento de valores, é claro, e mudanças práticas, se necessário.
É possível, por exemplo, usar suas habilidades com números e atuar no mercado financeiro, se isso o(a) faz feliz e, ainda assim, contribuir para melhorar a vida de outras pessoas, sem afogá-las em dívidas e juros galopantes – a exemplo do que fizeram Raiffensem, em 1846, no sul da Alemanha, e Muhammad Yunus, em 1980, em Bangladesh. O primeiro é citado como “a primeira experiência de microcrédito”, ao doar farinha para produção de pães e, em seguida, viabilizar uma cooperativa de crédito para fazendeiros pobres. O segundo é o fundador do Grammer Bank, instituição formalizada (depois de ajudar financeiramente vizinhos endividados) para conceder pequenos créditos a pessoas pobres, que desenvolvem alguma atividade produtiva (ou querem iniciar) e comprovam sua situação e comprometimento. Em cenários de tantas desigualdades socioeconômicas, o microcrédito vem se mostrando como parte importante de uma (nova) política social mundial de combate à pobreza.
Esse é só um exemplo para lembrar de como dons, habilidades e recursos muitas vezes associados aos ‘segmentos capitalistas devoradores’, podem fazer parte do seu Ikigai e transformar (para o bem) a vida de muita gente – inclusive a sua.
O tempo que gastamos para reclamar e apontar desconfortos é o mesmo que podemos investir para (começar) a mudança e a construção do mundo que queremos – e, mais do que nunca, precisamos.
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